No vídeo “Pais de Castigo” os relatos emocionantes expõem os impactos da pressão familiar no futebol infantil
- ALDEMIR TELES

- 5 de out.
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Atualizado: 16 de out.
Silêncio nas arquibancadas: o preço emocional do sonho no futebol de base
Destaques do artigo
Campanha “–Ódio +Futebol” da Federação Paulista de Futebol fecha arquibancadas em jogos sub-11 e sub-12 após episódios de violência verbal e comportamentos abusivos de pais e torcedores.
Depoimentos de jovens atletas revelam o impacto emocional da pressão e dos xingamentos — inclusive vindos de seus próprios familiares.
Menos de 1% dos garotos que entram na base chegam ao profissionalismo, tornando o futebol uma aposta de alto risco e alto custo emocional.
Consequências graves: ansiedade, abandono escolar, crises de identidade e desistência do esporte são efeitos diretos de um ambiente hostil.
Propostas para um futebol mais humano incluem educação emocional, suporte psicológico, integração com a escola e valorização de múltiplos caminhos.
A campanha “–Ódio +Futebol”
A Federação Paulista de Futebol (FPF) lançou em setembro de 2024 a campanha “–Ódio +Futebol”. O vídeo “Pais de Castigo” divulgado recentemente, teve grande repercussão nacional. A peça foi produzida após a entidade decidir fechar os portões para o público em 144 partidas das categorias sub-11 e sub-12, em razão do mau comportamento de torcedores — em sua maioria, familiares dos jogadores. A medida, de caráter educativo, foi recomendada pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD-SP). Em 2024, foram registradas 34 ocorrências de ofensas às crianças, injúria racial, homofobia, brigas e ameaças. Em 2025, esse número já subiu para 46.
Os depoimentos dos garotos no vídeo são impactantes. O constrangimento deles não vem apenas dos xingamentos que recebem, mas também dos xingamentos que seus próprios pais dirigem a outros jogadores. Para os jovens atletas, lidar com pais ou responsáveis — seus ou de outros — que gritam, pressionam e são agressivos pode ser estressante, humilhante e até decisivo para que abandonem o esporte precocemente.
O sonho e o funil da carreira
O futebol é o esporte mais sonhado entre os meninos brasileiros: cerca de 63,8% desejam se tornar atletas profissionais. No entanto, menos de 1% dos jovens que entram em categorias de base chegam ao profissionalismo. E mesmo entre os que conseguem, a carreira é curta, instável e, muitas vezes, mal remunerada. Segundo a Universidade do Futebol, há cerca de 2.700 postos de trabalho de qualidade disponíveis para jogadores brasileiros — somando clubes das séries A, B e C e oportunidades internacionais.
Esse funil estreito transforma o futebol em uma aposta de alto risco. Muitos jovens abandonam os estudos, enfrentam jornadas exaustivas de treino e convivem com a instabilidade emocional de um futuro incerto. Para muitos, o campo é o único lugar onde se sentem vistos, valorizados e sonhadores.
O comportamento dos pais: entre o apoio e a pressão
Os pais são agentes sociais fundamentais no ambiente esportivo juvenil. Eles viabilizam a participação dos filhos por meio de apoio financeiro, logístico e emocional. No entanto, o contexto competitivo e a profissionalização precoce do esporte têm alterado esse papel. Pesquisas apontam dois fatores principais que agravam o comportamento dos pais nas arquibancadas:
1. A projeção de sonhos não realizados: muitos pais veem nos filhos a chance de alcançar marcos que eles próprios não conseguiram. O campo se torna palco de expectativas frustradas, e o jovem passa a carregar não apenas seu próprio sonho, mas o de toda a família.

2 A ilusão da ascensão social: em comunidades periféricas, a carreira de jogador é vista como uma das poucas vias reais de mobilidade econômica — muitas vezes mais valorizada do que a formação escolar. Isso transforma o futebol em uma aposta de sobrevivência, e não apenas em um projeto esportivo.
Há pais que xingam garotos, exatamente da forma como não gostariam que seu próprio filho fosse xingado. Além do constrangimento sofrido por outras pessoas, o jovem é constrangido pelos xingamentos a outros cometidos pelo próprio pai. O que deveria ser um espaço de formação e respeito torna-se palco de humilhações públicas que afetam diretamente a autoestima e o desenvolvimento emocional dos atletas.
Impactos sociais e emocionais
A pressão excessiva, os xingamentos e a ausência de apoio emocional podem gerar consequências profundas:
Ansiedade e depressão: jovens que não conseguem corresponder às expectativas familiares podem desenvolver quadros de sofrimento psíquico.
Abandono escolar e social: ao priorizar o futebol, muitos deixam os estudos e se afastam de outras redes de apoio.
Crises de identidade: quando o sonho não se realiza, o jovem pode se sentir perdido, sem perspectiva de futuro.
Desmotivação e abandono do esporte: o ambiente hostil afasta talentos e compromete o desenvolvimento esportivo.
A frase “Em vez de criar um mundo melhor para nossos filhos, devemos criar filhos melhores para o mundo” serve como alerta. O comportamento dos pais nas competições não apenas molda o ambiente esportivo, mas também forma o caráter dos filhos. Criar filhos melhores para o mundo exige presença, escuta, respeito e autocontrole — especialmente diante das emoções que o futebol desperta.
Propostas para um futebol de base mais humano
A exclusão dos pais das arquibancadas pode reduzir episódios de violência verbal, mas não resolve o problema em sua raiz. É preciso ir além da punição e investir em transformação. Aqui estão algumas propostas:
Educação emocional para pais e responsáveis: promover palestras, oficinas e campanhas de conscientização.
Acompanhamento psicológico para atletas e familiares: oferecer suporte emocional contínuo.
Integração entre esporte e educação: exigir frequência escolar e desempenho acadêmico como parte do desenvolvimento esportivo.
Criação de espaços de escuta: abrir canais para que os jovens possam expressar suas angústias.
Valorização de múltiplos caminhos: mostrar que o futebol pode ser uma porta, mas não precisa ser a única.
O futebol de base não é apenas um celeiro de talentos — é também um espelho da sociedade e da forma como educamos nossas crianças. Quando os gritos nas arquibancadas abafam os sonhos no campo, é hora de repensar o papel dos adultos nesse processo. Criar filhos melhores para o mundo exige mais do que torcida: exige escuta, respeito e presença. Que o silêncio nas arquibancadas seja o início de uma nova conversa — mais humana, mais consciente e mais justa com todos os jovens que ousam sonhar com a bola nos pés.



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