A Revolução Silenciosa de 1970: Como a Ciência Venceu a Altitude e Potencializou a Arte
- ALDEMIR TELES

- há 4 dias
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Atualizado: há 4 dias
Como a ciência do esporte permitiu que a genialidade brasileira brilhasse na altitude.

Neste artigo, você entenderá como a Seleção Brasileira de 1970 conquistou o Tri ao unir talento e ciência:
Ciência vs. Altitude: A preparação física foi baseada em estudos científicos para superar os efeitos da altitude, um desafio que o "futebol-arte" sozinho não venceria.
Pioneirismo de Lamartine Pereira da Costa: Seus estudos sobre treinamento em altitude foram a base para todo o planejamento da comissão técnica.
O Método Cooper: Cláudio Coutinho, após estagiar com o Dr. Kenneth Cooper, introduziu testes e treinos de resistência que se mostraram fundamentais.
Aclimatação Estratégica: A decisão de chegar ao México com 21 dias de antecedência para se adaptar em Guanajuato foi crucial para o desempenho físico do time.
A ciência e a conquista
A conquista da Copa do Mundo de 1970, no México, quando o Brasil conquistou o tricampeonato e a taça Jules Rimet definitivamente é um marco indelével na história do futebol, consolidando o Brasil como tricampeão mundial. Esta vitória é frequentemente celebrada sob a ótica do "futebol-arte", evocando a genialidade de Pelé, Tostão, Jairzinho e Rivelino. No entanto, esta narrativa gloriosa muitas vezes negligencia o pilar que tornou o triunfo possível: uma revolução científica sem precedentes no esporte nacional. Diante do desafio da altitude mexicana, a Seleção Brasileira de 1970 promoveu uma articulação inusitada e vitoriosa entre a criatividade inata dos seus jogadores e um rigoroso suporte científico
e gerencial. A Revolução Silenciosa de 1970: Como a Ciência Venceu a Altitude e Potencializou
Pela primeira vez na história do futebol brasileiro, um programa de trabalho foi inteiramente baseado no melhor que a ciência da Educação Física poderia oferecer. O empirismo e o mito da superioridade atlética natural do jogador brasileiro foram confrontados por um planejamento metódico, com protocolos "nunca vistos no futebol brasileiro". Este foi um plano inédito, onde tudo foi regulado para que o time atingisse seu apogeu físico ("peak") exatamente na semana da estreia, baseado em princípios científicos claros como a individualidade biológica e a sobrecarga progressiva.
O pioneirismo da ciência do esporte no futebol

A figura central dessa inovação foi o professor Lamartine Pereira da Costa. Especialista em Biometeorologia, ele foi convocado para assessorar o planejamento de adaptação dos jogadores à altitude. Seus estudos, como o "Planejamento México", foram a base de sustentação científica para solucionar o problema. A profundidade de sua análise era notável, considerando fusos horários, tipos de treinamento, uso de câmara de baixa pressão, alimentação, clima e até os efeitos do estresse. Em um feito pioneiro para a ciência do esporte no Brasil, Lamartine utilizou um computador de grande porte do Ministério da Marinha para processar os dados empíricos coletados em suas pesquisas de campo.
Ao trabalho fundamental de Lamartine sobre altitude somou-se outra vertente científica crucial, trazida pelo Capitão Cláudio Coutinho. Instrutor da Escola de Educação Física do Exército, Coutinho havia estagiado na NASA e conhecido o Dr. Kenneth Cooper. Ele retornou ao Brasil e, como preparador físico da comissão técnica, introduziu e ajustou os métodos de Cooper – o famoso "teste de Cooper" e os princípios do "Aerobics" – para a busca de resistência com corridas de longa duração. Coutinho, juntamente com outros profissionais como Admildo Chirol e Carlos Alberto Parreira.

Lamartine tem lugar na memória do futebol brasileiro. E na história da ciência do esporte no Brasil. Em toda a sua trajetória profissional trabalhou para colocar a Educação Física como área de conhecimento num lugar de destaque na formação universitária.
Planejamento e execução
A aplicação prática dessa ciência foi a inteligente decisão logística da comissão técnica. Baseando-se nas observações de Lamartine durante as Olimpíadas de 1968, foi escolhida a cidade de Guanajuato – com altitude similar à da Cidade do México – para a fase principal de aclimatação. A seleção foi a primeira a chegar ao México e a última a sair. Os jogadores, embora fossem "feras" talentosas, aderiram às rígidas exigências e "aguentaram estoicamente" uma concentração de 21 dias em Guanajuato. O resultado fisiológico foi notável: Admildo Chirol relatou que esse período "quase dobrou a taxa de glóbulos vermelhos do sangue", considerando-o o tempo ideal para a adaptação. Foi um trabalho "científico, nada empírico".
Apesar da repercussão mundial e dos elogios da FIFA, que considerou o time o mais bem preparado fisicamente da Copa, havia enorme descrença interna. Dirigentes, a mídia e até parte do público, presos ao "mito dominante sobre a superioridade do futebol brasileiro", questionavam a prioridade do treinamento físico sobre o técnico, temendo que a ciência sufocasse a "ginga" e a "malandragem". A disputa entre "futebol arte" e "futebol força" já se desenhava.
Contudo, os resultados em campo foram irrefutáveis. O que se viu foi a ciência potencializando a arte. A preparação física permitiu que os jogadores exercessem seus talentos e mantivessem o ritmo por 90 minutos. Como observou o Jornal do Brasil na época, ao ver o desempenho de Jairzinho, Clodoaldo e Pelé, ficava claro que "o trabalho mais perfeito sobre a Seleção Brasileira foi o da preparação física". Os jogadores venceram a Copa, mas a habilidade, sozinha, não venceria. O futebol arte não sobreviveria à altitude sem a Ciência do Esporte como sua parceira. A conquista de 1970, portanto, deve ser lembrada não apenas pelo talento, mas como o momento em que a ciência, o planejamento e a inovação garantiram a glória.

A história da ciência por trás de 1970 foi muitas vezes esquecida, ofuscada pelo brilho do talento. Você acredita que o futebol brasileiro atual consegue equilibrar esses dois pilares – o rigor científico e a criatividade – com a mesma eficácia que a seleção de 70? Deixe sua reflexão nos comentários e compartilhe este artigo para ajudar a resgatar a memória completa dos heróis que uniram ciência e arte para conquistar o Tri.







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